As cidades perdidas da Amazônia VI

Este cálculo corpóreo básico é aplicado em todas as escalas, de ocas a toda a bacia do Alto Xingu. As aldeias antigas são distribuídas pela região e interconectadas por uma rede de estradas alinhadas com precisão. Quando cheguei pela primeira vez à área, levei semanas para mapear valas, praças e estradas usando as técnicas padrões de arqueologia. No início de 2002, começamos a usar o GPS, que nos permitiu mapear a maior parte dos trabalhos no solo em questão de dias. Descobrimos um grau impressionante de integração regional. O planejamento parece quase determinado, com um lugar específi co para tudo. No entanto, fundamentava-se nos mesmos princípios básicos das aldeias atuais. As estradas principais correm do leste para o oeste, as secundárias se irradiam para fora do norte e do sul e as menores proliferam em outras direções.

Mapeamos dois agrupamentos hierárquicos de povoados e aldeias em nossa área de estudo. Cada um consistia em um centro principal cerimonial e várias aldeias satélites grandes em posições precisas em relação ao centro. Essas cidades provavelmente tinham mil ou mais habitantes. As aldeias menores estavam localizadas mais longe do centro. O agrupamento do norte está centrado no X13, que não é uma cidade, e sim um centro de rituais, semelhante a um terreno para festividades. Dois grandes povoados murados estão distribuídos de forma equidistante ao norte e ao sul do X13, e dois povoados murados, de tamanho médio, estão em posições equidistantes ao nordeste e sudoeste. O agrupamento do sul é ligeiramente diferente. Está centrado no X11, que é ao mesmo tempo uma aldeia e um centro de rituais, ao redor do qual estão povoados de tamanho médio e pequeno.

Na área de terra, cada núcleo populacional ocupava mais de 250 km2, dos quais cerca de um quinto consistia em área central construída o que, grosso modo, é equivalente a uma pequena cidade moderna. Nos dias de hoje, a maior parte da paisagem antiga está coberta por vegetação, mas a floresta nas áreas centrais tem uma concentração distinta de certas plantas, animais, solos e objetos arqueológicos, como muita cerâmica. O uso do solo foi mais intenso no passado, mas os vestígios sugerem que muitas práticas antigas eram semelhantes às dos cuicuro: pequenas áreas de plantio de mandioca, pomares com árvores de pequi e campos de sapé – o material preferido para coberturas de choupanas. O campo era uma paisagem de retalhos, intercalada por áreas de floresta secundária que invadiram as áreas agrícolas não cultivadas. Zonas úmidas, agora infestadas de buritis, a mais importante cultura industrial, preservam diversas evidências de piscicultura, como lagos artificiais, calçadas elevadas e fundações de açudes. Fora das áreas centrais, existia um cinturão verde menos povoado e até uma densa faixa florestal entre as diversas aldeias. A floresta também tinha seu valor como fonte de animais, plantas medicinais e de certas árvores, além de ser considerada a morada de vários espíritos da floresta.

As áreas dentro e ao redor de sítios residenciais estão marcadas por terra escura, egepe segundo os cuicuro, um solo extremamente fértil, enriquecido por lixo domiciliar e atividades especializadas de manejo de solo, como queimadas controladas da cobertura vegetal. Em todo o planeta o solo foi alterado, tornando-o mais escuro, mais argiloso e rico em certos minerais. Na Amazônia, essas mudanças foram especialmente importantes para a agricultura de muitas áreas, já que o solo natural é bem pobre. No Xingu, a terra escura é menos abundante em certas áreas, já que a população nativa depende principalmente do cultivo da mandioca e dos pomares, que não necessitam de solo muito fértil.

 Fonte: Scientific American Brasil Online

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