O universo luminoso dos fungos bioluminescentes IV

Do início do século 20 emergiu a ideia de que a emissão de luz pelos fungos poderia ajudar na dispersão de esporos. Em 1981, o entomólogo John Sivinski, da Florida University, publicou resultados de um experimento em que avaliou se a bioluminescência de cogumelos e do micélio estaria associada à atração de artrópodes, que poderiam ajudar na dispersão de propágulos. Segundo o experimento, mais animais foram capturados em armadilhas com fungos bioluminescentes que em armadilhas de controle, que não continham micélio nem cogumelos emissores de luz. Esses resultados indicam uma possível relação com a dispersão de esporos. Entretanto, apenas os cogumelos produzem esporos, e o experimento não explica a atração de animais pela luz do micélio. Adicionalmente, Sivinski sugeriu que a bioluminescência poderia ter a função de alertar os predadores de suas defesas (função aposemática) – afastando animais que comem fungos (conhecidos como fungívoros noturnos) – ou, ainda, que a luz poderia atrair predadores desses animais fungívoros, conferindo vantagens para os fungos bioluminescentes. Mas essas ideias ainda não foram adequadamente testadas e, mesmo que complementares, não têm muitas chances de explicar exclusivamente o porquê da bioluminescência.

Outra linha de raciocínio gerou ceticismo entre micólogos apaixonados pelos fungos, mas envolve uma explicação bastante plausível. Todos os fungos que emitem luz são saprófitos (decompõem matéria orgânica de origem animal). Segundo essa hipótese fisiológica, a bioluminescência seria um subproduto de processos metabólicos associados à destruição de lignina para atingir a celulose. A lignina (um polímero de glicose, como o amido) é a substância que forma a base da madeira, e a emissão de luz pelos fungos poderia estar associada a um efeito antioxidante, conferindo alta capacidade para decompor esse substrato sem o ônus da intoxicação pelas espécies reativas ao oxigênio geradas. Nesse caso, a emissão de luz não teria uma função direta, mas seria consequência do processo digestivo do fungo.

De qualquer maneira, as hipóteses não são mutuamente excludentes e é possível que a bioluminescência tenha surgido como subproduto desse processo metabólico e depois motivado a consolidação de processos ecológicos relacionados com a atração de animais, que podem estar associados com dispersão de esporos e/ou predação de fungívoros. Atualmente, diversos pesquisadores do Laboratório de Bioluminescência de Fungos, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), coordenado por Cassius V. Stevani, estudam os mecanismos bioquímicos responsáveis pela emissão de luz. Os estudos de fungos bioluminescentes têm o potencial de gerar novos conhecimentos, tanto acadêmicos quanto aplicados, até mesmo de fornecer informações sobre o significado biológico e ecológico da emissão. O grupo de pesquisa de Stevani investiga o mecanismo de bioluminescência em fungos, assim como novas substâncias bioativas em extratos dos cogumelos, o desenvolvimento de bioensaios ecotoxicológicos, a biorremediação de solos contaminados e a biodegradação de resíduos industriais.


Continua...


Fonte: Scientific American Brasil Online

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